FILOSOFIA
No classico A Velhice, de 1970, Simone de Beauvoir lança um olhar implacável sobre os anos mais avançados da vida.<
“O indivíduo idoso sente-se velho através do outro, sem ter experimentado sérias modificações; no íntimo, não aceita a etiqueta que lhe é colada: ele não sabe mais quem é”.
Mais:
“A velhice não é um fato estático; é o resultado e o prolongamento de um processo. Em que consiste este processo? Em outras palavras, o que é envelhecer? Esta ideia está ligada à ideia de mudança. Mas a vida do embrião, do recém-nascido, da criança, é uma mudança contínua. Caberia concluir daí, como fizeram alguns, que nossa existência é uma morte lenta? É evidente que não. Semelhante paradoxo desconhece a verdade essencial da vida: ela é um sistema instável no qual se perde e se reconquista o equilíbrio a cada instante; a inércia é que é o sinônimo de morte. A lei da vida é mudar.” (“A Velhice”).
Simone de Beauvoir é um dos mais importantes escritores e filósofos existencialistas franceses do século 20, ao lado de nomes como Jean-Paul Sartre. Albert Camus e Maurice Merleau-Ponty. Ela produziu um conjunto de obras no qual aborda questões sobre ética, feminism, ficção, autobiografia e política.
Em A Velhice, ensaio primeiro publicado em 1970, a ficcionista e ensaista francesa, ganhadora do prêmio Concourt de 1954 pelo romance O Mandarim, considerado sua obra-prima, realiza uma profunda reflexão sobre a exclusão dos idosos na sociedade, sabendo que iria se tornar um deles um dia e, portanto, pensando no próprio destino.
Seu ensaio desenvolve a tese de que, na sociedade capitalista, cada indivíduo percebe o outro como meio para a realização de suas necessidades: de proteção, riqueza, prazer, dominação. E se relaciona com os demais priorizando os próprios desejos, sem compreender ou dar importância `as necessidades destes.
Seu texto revela, também, haver uma dubiedade nas relações que os mais jovens mantêm com os idosos, pois, na maioria das vezes, apesar de respeitá-los por sua condição de pai ou de mãe, tratam-nos como uma espécie de ser inferior. Tiram deles suas responsabilidades e os culpam pela sobrecarga de compromissos a que filhos e netos se vêem forçados a assumir.
Daí aos processos de humilhação, falta pouco: eles surgem mesmo em situações de proteção, em que não se dá a devida atenção `as condições reais dos idosos de resolver seus problemas com autonomia. Ao subestimar esta capacidade, os mais jovens assumem tarefas em seu lugar.
Segundo Beauvoir, quando não se respeita uma pessoa em sua integridade emocional, intelectual e material, ela é excluída da sociedade pelos governantes, pelas instituições, pelas famílias, por todas as pessoas. E os mais atingidos por este desrespeito são as crianças e os idosos.
Para resumir, a ensaista escreve com franqueza quase chocante, nesta que é um dos mais notáveis trabalhos já realizados sobre a condição dos que chegam aos setenta anos e mais, que o idoso é uma espécie de objeto incômodo e inútil, e que, infelizmente, quase tudo o que a sociedade deseja é poder tratá-lo como um elemento desprezível.