Enfim 60 anos, mas com espírito de 22

       Eu já estava na faculdade quando finalmente entendi que minha vida inteira tinha coincidido com a segunda onda do feminismo. -– algo que tinha transformado a cultura americana na concepção de uma jovem do Alabama. Eu sempre tinha entrado sem resistência por portas que se abriam para mim alegremente, ignorando o sonho, o sacrifício e a persistência apaixonada das mulheres que haviam aberto aquelas portas para mim.

       Uma vez entendido isto, também compreendi que eu não quereria ter chegado a este planeta nem um momento antes do que cheguei.

       Uma mulher nascida no Sul do Alabama em 1961 não tinha tempo para a nostalgia. Voltar aos “velhos tempos”, quando as oportunidades para negros e mestiços, e para negras e mestiças, especialmente, eram enormemente limitadas? Não, muito obrigada.

       O único problema em ter nascido em 1961 é que em 2021 se chega aos 60 anos, o que me aconteceu na semana passada. É muito estranho continuar se sentindo com 22, mesmo que todo espelho e toda vitrina de loja ou espelho de elevador revelem a verdade. Sessenta é a idade em que as pessoas precisam admitir que já não são de meia idade.

       Ultimamente, foi ficando claro para mim que eu não gostaria de ter nascido nem mesmo um minuto depois de 1961, tampouco. Na semana passada eu contei isto a uma amiga e sua resposta foi imediata. Como se o pensamento fosse dela mesma. “Porque não teremos de enfrentar o cataclisma?”

       Exatamente. Bem, não exatamente..

       Nos dias em que o noticiário está cheio, de novo, de incêndios, de enchentes catastróficas e colapsos da biodiversidade e pandemia sem fim, e ainda campanha de desinformação para desmentir a emergência climática  — nesses dias, sim. Absolutamente sim. Nesses dias eu fico feliz de ter 60 anos porque significa que quase certamente não viverei para testemunhar o cataclisma que virá, caso a humanidade não mude de comportamento em tempo.

       Mas não é assim que eu penso todos os dias. Nestes dias eu simplesmente me sinto grata pela minha idade.

       Os divertidos cartões de aniversário que nos enviam depois dos 40 anos eram divertidos há 20 anos porque estavam longe da realidade. Agora, são engraçados por serem tão verdadeiros. Um dos cartões que recebi na semana passada mostrava uma foto antiga de uma mulher de maiô que se parecia demais comigo, de maiô. “Na sua idade, nadar pode ser perigoso”, dizia o cartão “ “Os salva-vidas não se esforçam tanto”.

Eu ri tanto que minha barriga dava pulos, efeito de se ter 60 anos, que me incomoda só um pouco. É isto que sou hoje, alguém que se parece com sua mãe madura, a despeito de se exercitar e de ter dieta mais saudável. Além disso, eu amava minha mãe, e amo vê-la de novo nas vitrinas pelas quais eu passo.

       Eu tenho sorte de chegar aos 60 apesar da propensão ao câncer, dos efeitos tardios da Covid, que parece que vão me seguir pelo resto da vida. Por ter sobrevivido a outras infecções – pneumonia – que poderiam ter me matado, pela pura sorte de eu ter nascido depois da invenção dos antibióticos. Doenças infecciosas que costumavam matar gente aos milhões porque também tive a sorte de nascer após a vulgarização das vacinas.

Entristecer-me frente ao envelhecimento seria uma resposta tola a tanta boa sorte.

Agradecida sou pela sorte tremenda de ter vivido o suficiente para ser cercada de amigos verdadeiros.

       Sessenta anos me deram tempo de aprender que amizades verdadeiras não veem da proximidade – por termos estudado na mesma escola, ou por pertencermos à mesma igreja, por termos filhos da mesma idade ou por votarmos no mesmo candidato. A amizade é forjada  ao longo do tempo, na bonança e na tristeza, e amigos verdadeiros são aqueles que continuam a se amar mesmo quando não for conveniente e mesmo quando não concordam sobre alguma coisa.

       Vivi o bastante para ter aprendido, também, que o que é belo e alegre é quase sempre fugaz e não deve ser desperdiçado. Que a rejeição não leva a qualquer relacionamento que valha a pena. Que qualquer coisa que nos separe é oportunidade para um “papo reto”. Que a vida é muito curta para se calçar sapato apertado. Eu espero que ela tenha feito isto.

       A sabedoria talvez seja algo demais para se pedir de uma cultura próxima do trauma coletivo. Talvez a sabedoria só seja adquirida com o tempo, mesmo que o tempo mesmo não seja garantido. ”Não se deveria ficar velho até que se fique sábio” – diz o bobo da corte ao Rei Lear. Ele deveria repetir a frase para os velhos que ostentam cargos públicos, e repetir em tom muito mais alto para os que já deixaram seus cargos públicos mas se sentem desesperados para serem alavancados ao poder.

       Uma amiga de toda a vida, e que fará 60 neste ano, me mandou um e-mail com uma mensagem que contém uma passagem de “A Flor”, poema de George Herbert: “A dor se desmancha como a neve em maio/ Como se não houvessem coisas frias. /Quem pensaria que meu coração enrugado poderia recobrar seu verdor?

       Quem de fato pensaria? Porém, passado um tempo nós prosseguimos de alguma forma. Como as hastes e ramos da primavera, nossos corações enrugados podem recuperar o verdor também. E com a idade eu broto novamente.” Herbert escreveu, e assim é conosco.

       Com tantos desastres sobre nossas cabeças, calamidade após calamidade e mais calamidades, um sentimento como esse soa como um sonho. Ainda assim, décadas sucessivas quase sempre nos oferecem a prova de que o medo e a escuridão passam com o tempo. Provam que trabalho duro pode abrir completamente as portas, como se nunca tivessem sido fechadas.

       É uma grande benção e uma grande maldição que o trabalho duro de apenas uma geração possa remover a lembrança da falta e da dor, mas, principalmente, é uma benção. Significa que mesmo agora, nada ainda está perdido. As décadas podem nos ensinar isto também. (Margaret Renkl, em The New York Times)