“Faze com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já
estamos na eternidade, faze com que eu sinta que amar é não morrer, que a
entrega de si mesmo não significa a morte, faze com que eu sinta uma
alegria modesta e diária, faze com que eu não Te indague demais, porque a
resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta, faze com que me lembre
de que também não há explicação porque um filho quer o beijo de sua mãe
e no entanto ele quer e no entanto o beijo é perfeito, faze com que eu
receba o mundo sem receio, pois para esse mundo incompreensível eu fui
criada e eu mesma também incompreensível, então é que há uma conexão
entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara
para nós enquanto quisermos entendê-la, abençoa-me para que eu viva com
alegria o pão que eu como, o sono que durmo, faze com que eu tenha
caridade por mim mesma pois senão não poderei sentir que Deus me amou,
faze com que eu perca o pudor de desejar que na hora de minha morte haja
uma mão humana amada para apertar a minha, amém”.
Clarice Lispector, em Luminescência, texto da obra “Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres” (1969).